Yeshua MiNetzeret - O Judeu
     Nascido na Galileia há mais de 2 mil anos, Jesus de Nazaré foi, sem  margem para dúvidas, um judeu. As escrituras cristãs confirmam a cada  passo que Cristo – Yeshua ben Yosef,  de seu nome hebraico – seguiu à risca as tradições e mandamentos do  judaísmo ortodoxo. Mesmo assim, durante séculos, numa tácita aliança de  silêncios, cristãos e judeus recusaram reconhecer as raízes judaicas do  pregador da Galileia, a quem chamaram rabino, e que acabaria por  tornar-se uma das mais influentes e emblemáticas figuras da História  humana.
     Abandonado, e mesmo combatido, pela Igreja Cristã (tanto católica como  protestante) durante séculos, o judaísmo de Jesus, e o seu enquadramento  contextual, só começou a ser explorado recentemente.
     Esta corrente, nascida na recta final do século XIX, assumiu novas  proporções nos finais do século XX, quando a busca do “Jesus Histórico” e  das raízes hebraicas de Cristo começou a fascinar teólogos e  historiadores cristãos e judeus. Arredados já do cíclico antisemitismo  que levara os cristãos durante séculos a negarem o judaísmo de Jesus,  estes redescobriam agora o Messias cristão no seu contexto histórico,  étnico e religioso.
     O judaísmo de Jesus foi, até 1900, praticamente posto de parte também  pelos pensadores judeus, em grande medida como reacção às perseguições  que o cristianismo encetara contra os hebreus. Recorde-se que até ao  Concílio Vaticano II, em 1965, a própria Igreja Católica acusava os  judeus de terem morto Cristo – uma acusação que não só negava a verdade  histórica, desculpabilizando o papel do governador romano Pôncio Pilatos  enquanto executor máximos da pena (ver Who is Responsible for Jesus’ Execution),  como também escondia o facto de Jesus ser, ele próprio, um judeu. Esse  era um facto histórico inescapável, mas mesmo assim rodeado de uma  polémica apenas explicável por um antisemitismo latente.
“Muitos cristãos continuavam a recusar aceitar o facto de que Jesus era  judeu, afirmando a pés juntos que ele era ‘cristão’. Mas um cristão, por  definição, é um seguidor de Cristo. Se assim fosse, Jesus seria um  seguidor de si próprio, o equivalente de um cão que persegue a sua  própria cauda”, comenta o teólogo cristão Jonathan Went, um estudioso  das raízes judaicas de Jesus.
     Contando com as poucas referências talmúdicas, as fontes históricas  judaicas sobre Jesus restringem-se a breves passagens de fragmentos  deixados por historiadores hebreus, o mais famoso dos quais o Testimonium Flavianum, escrito por Flavius Josephus, que viveu entre os ano 37 e 100 da era comum.
Agora, quase dois mil anos passados sobre o seu desaparecimento, aos  poucos, rabinos e pensadores humanistas judeus começaram a reclamar  Jesus enquanto figura histórica intimamente ligada ao judaísmo.
     Na década de 90, foram editados vários livros que abordavam uma visão  judaica de Jesus, o mais significativo dos quais lançado em finais de  2001 nos Estados Unidos sob o título “Jesus Through Jewish Eyes: Rabbis and Scholars Engage an Ancient Brother in a New Conversation”.
     Na verdade, os relatos das escrituras cristãs apontam para o facto de  Jesus ter cumprido escrupulosamente todos os preceitos da religião  judaica. Os Evangelhos do Novo Testamento bíblico contam que Jesus foi circuncisado oito dias após ter nascido (Lucas, 2:21), segundo regem as leis judaicas; ainda bebé foi apresentado no Templo em Jerusalém (Lucas, 2:22), de acordo com o que mandava a tradição, e foi educado na Lei de Moisés (Lucas 2, 39 a 42).  A Bíblia cristã confirma ainda que ele, como todas as crianças judias,  começou a aprender a Torá – a Bíblia hebraica – aos seis anos e aos 12  anos no Templo “ouvia e interrogava” os rabinos (Lucas 2:46).  Mais tarde, os evangelistas relatam que Jesus celebrava os festivais  judaicos (Páscoa, Tabernáculos e Hanuká) além de guardar todos os  sábados como dias santos. Ao mesmo tempo, envergou tzit-tzit e tefilin,  adereços litúrgicos ainda hoje usados pelos judeus ortodoxos. Mesmo  assim, perante este verdadeiro mar de referências bíblicas ao judaísmo  de Jesus, este continuou a ser ignorado através das gerações.
     No livro “Rabbi Jesus: An Intimate Biography”,  o teólogo e historiador anglicano Bruce Chilton traça um perfil do  Messias cristão fortemente enraizado no judaísmo. Para Chilton, Jesus  foi indubitavelmente um rabino, reconhecido como tal na Galileia, e “os  seus ensinamentos tornavam-no em tudo semelhante a outros rabinos  galileus, conhecidos como chasidim. (…) Os chasidim eram curandeiros que  curavam os doentes e aliviavam a seca através da oração, e Jesus  juntou-se às suas fileiras”.
     Numa visão amplamente partilhada por vários teólogos judaicos  contemporâneos – entre eles Z’ev ben Shimon Halevi – , o padre Bruce  Chilton vê ainda em Jesus um discípulo dos mestres da Cabalá, uma  palavra hebraica que literalmente significa “tradição recebida” e que  traduz o misticismo judaico. As influências cabalísticas nos  ensinamentos de Jesus são notórias. A mais evidente de todas é a chamada  “regra de ouro do judaísmo”, ensinada pelo rabino Hillel, que viveu em  Jerusalém cerca de 200 anos antes de Jesus. Conta o Talmude que um  viajante pouco familiarizado com os judeus pediu ao rabino Hillel que  numa frase lhe explicasse a essência do judaísmo. O rabino olhou-o por  instantes e respondeu sem hesitar: “Ama o próximo como a ti mesmo. Agora  vai e pratica o que aprendeste.” A mesma máxima, repetida  posteriormente por Jesus, pode ser encontrada na Bíblia hebraica, no  livro de Levítico.
     A grande separação das águas, no entanto, acontece quando teólogos  judeus e cristãos são forçados a debater o papel de Jesus enquanto  Messias. Para os judeus, o Nazareno é um rabino que seguiu a senda de  outros nomes grados da história do judaísmo, mas que nunca quis formar  uma religião à parte – mas sim reformar por dentro, levando os judeus do  seu tempo a repensarem a sua relação com Deus. Na verdade, a separação  entre o judaísmo e os seguidores de Jesus acontece posteriormente,  quando Saulo de Tarso (São Paulo) transforma em religião distinta o que até então era apenas uma seita judaica.
     Apesar da existência de movimentos  messiânicos ,  onde judeus assumem a sua crença em Jesus enquanto messias, a questão  da divindade de Cristo assume-se como a barreira inexpugnável entre as  duas visões.
     Mas o judaísmo de Jesus não é apenas um tema de debate teológico. A  essência transbordou também para a literatura. Em “Ulisses”, James Joyce  coloca o seu personagem principal, o judeu irlandês Leopold Bloom, em  confronto com um antisemita cristão nas ruas de Dublin. Nesta parábola  carregada de simbolismo, o antisemita, tal como o ciclope enfrentado por  Ulisses, tem apenas um olho. Às invectivas, Bloom responde perante a  ira incontida do seu interlocutor: “Mendelssohn era judeu, como Karl  Marx e Mercadante e Spinoza. E o Salvador era judeu e o seu pai era  judeu. O teu Deus era judeu. Cristo era judeu, como eu.”
     Um dos primeiros teólogos judaicos a abraçar o judaísmo de Jesus foi o rabino americano Stephen S. Wise, que num artigo intitulado “The Life and Teaching of Jesus the Jew”,  datado de Junho de 1913, escreveu: “Nem protestos cristãos nem  lamentações judaicas podem anular o facto de que Jesus era judeu, um  hebreu dos hebreus.”
Origem: BLOG - Rua Da Judiaria 
http://ruadajudiaria.com/?p=62
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